Tu também não sabes

Não consigo superar esta indisposição. Mas também não conto os dias para que ela acabe. "Acomodar" - esse será o verbo que sobre mim desenrola as suas pesadas conjugações.
Gostava de te contar sobre mim, hoje, um pouco mais. No entanto, há sempre este não-querer que me detém e me contém. E estranhamente vou sabendo porquê...
Exposição é algo de que não gosto. Sobretudo sabendo que ela desagua em vulnerabilidade e que esta, por sua vez, desagua em algo maior: mágoa, ou esse mar de mil e muitas tonalidades ou esse copo de água, assim, grande demais para muitos de nós o entender-mos realmente.
De qualquer forma, se a analogia do copo se aplicasse a nós, saberíamos de imediato que não secaríamos a sede de ninguém e que somos de um material tão forte e ainda assim tão frágil, desorientados na mercê de um vento que nos pode tombar sem nunca nos dizer ao certo se fomos mais cheios ou mais vazios. Ou a quantidade certa de ambos...
Na verdade, o que te quero dizer não vem com recursos de estilo, quero que venha apenas com a sinceridade certa para que não me possas julgar... Foi de forma mordaz que a vida me moldou e eu me moldei a ela: o passado traz uma paisagem feliz e logo vem uma fotografia desfocada, um castelo de areia já sem forma, no recuar das aguas desse mar. Nunca mais serei o mesmo, por muito que me procure. Não tenho força, já não sou aquele guerreiro. Ou talvez minta para mim, deixando que esse manto pesado se desabe sobre mim de vez para que não mais sinta o seu peso. Talvez.
Não sei para onde quero ir, não sei tão pouco aonde ficar. Gostava de trazer uma mensagem de esperança mas nem sempre consigo. Porque a esperança é uma luz que só se projeta no escuro do amanhã. Mas o meu amanhã é cinzento. A filosofia que antes inspirou muitos e a mim mesmo desmoronou-se com o tempo: sei apenas o que não quero ser. E é a isso que me agarro...
Amanhã será outro dia, outro dia mais. Passam-se meses como se passam os dias, e eu vejo-me preso lá atrás. Ou pelo menos vejo alguém muito parecido, mais sorridente, mais confiante nos passos, mais feroz nos atos... Menos eu, portanto. Eu que vi muitas coisas, que senti outras mais, que me colo um adjetivo como "injusta" ao tópico que se intitula de "Vida", que deu de tudo a quem mais amava esquecendo-se de se conhecer e de se dar também a si mesmo, um pouco que fosse. Não posso dizer com orgulho que não mudaria nada no meu passado. Mentiria a todas as oportunidades que perdi e a todas as arrogâncias que cometi. Mentiria a todas as pessoas que magoei, muitas delas das que mais amo. A elas aproveitaria para dizer isto mesmo: Que sou fraco. Que caí e me levanto com muito custo, que me arrasto sem saber como nem porquê, que estou perdido. Que por vezes não gosto de mim quando me olho no espelho, que me sinto estranho, mínimo e magoado. Que não sou capaz de amar ou de aceitar a rejeição. Que encubro todas estas minhas falhas, todos os lances pontiagudos e imperfeitos desta minha construção com todas as minhas forças, com todo o meu corpo e um manto mais fino ainda, esse a que chamam de alma. Porque eu não me gosto assim tanto, porque preciso de aprovação, de estar no topo, essa obsessão, essa droga.
Mas o mais certo era que guardasse tudo para mim, outra vez, numa lista que não finda... E depois vou-me queixando em silêncio, injusto com todos os que passam por mim... E culpo eu esse tudo e esse nada que é a vida. Mas é preferível assim, sempre o foi, certo?
(Ia rever todo o texto, romanceá-lo na medida certa entre a tua lágrima ou o teu suspiro mas hoje, hoje não será assim.)

Um comentário:

João Roque disse...

Uma introspecção demasiado pessimista.
Não pode ser tudo assim como descreves...deve haver momentos gratificantes. Porque não incluí-los?