Baú

Parte II de II

Inevitavelmente, esbatem-se as cores, inertem-se as formas e escurecem-se as luzes. Tudo regressa à existência cinzenta e amorfa do velho livro. Contudo, aquilo que parecia um final afigurava-se agora mais como um início. Nas vestes de quem assistira aquele espectáculo rolavam pequenas e salgadas gotas dos olhos aguados. Naquela água deslizava a tristeza de quem procura em vão a razão por detrás de tantas linhas caladas, de tantas memórias inacabadas e de si mesmas cansadas, de tanta falta de finais, felizes ou fatais. Para que se vive senão para viver e pontuar esse verbo? Porquê tantas estórias?

As lágrimas beijaram-lhe os lábios e tocaram-lhe as mãos. Até que Quem se levanta, abrilhanta o olhar e levemente sorri. Abraça o livro pesado, grosso e velho antes de o pousar novamente no baú, aberto numas páginas estranhamente brancas. Volta-se e esboça as pegadas faltantes no velho trilho enquanto todas as outras são apagadas pelo vento que suspira dos seus passos agora fortes e alheios ao antigo ranger. Quem se evapora pela escuridão que limita a luz do candeeiro velho, vai para só regressar quando as estórias forem histórias. Volta num futuro em que o passado não dói. Em que a tinta com que escrevem a sua história não se suja de presunção e de medos que culpam o tempo por adiarem o sorriso.

Muitos voltaram aquele sótão para testemunhar o feitiço que pegara naquele baú, entre tantos que lá havia: o livro que vivia no seu interior não só se ia escrevendo sozinho como quanto mais se escrevia, mais páginas desapareciam, mais o livro se tornava leve, fino e novo…

…

Quem me contou esta história não sabia Quem era. Sabia apenas que Quem queria ser alguém. Para onde fora Quem? Para onde eu vou também.