Ontem ela contava-me...


...que ele a tinha deixado. Assim, tão breve. Tão aparentemente leve. Como quando o vento frio se lembra de soprar e de sussurrar no nosso ser mais intimo que os sonhos são rosas. Ter um é também sentir a força indelével dos seus espinhos. E ele assim a deixara: suspensa num ponto em que a esperança do retorno é uma porta que o coração quer deixar tão aberta, que a mente quase se cala quando quer gritar que o contrário é uma outra porta cujo puxador está tão ou mais rodado. Esse ponto desconfortável e amargo em que as mãos que querem segurar a areia com que se constroem castelos se esquecem do mar que tudo alcança nessa sua tão eterna dança. E era de vento e de mar que ele disse precisar.
Despendida do que a rodeava, ela soluçava-me as ânsias, as instâncias e as distâncias. Assente a poeira dos dias apelidados de ontem, o hoje poderia ser bem mais ternurento. Mas quanto mais repousamos a esperança de um sorriso no amanhã, mais esse hoje se perpetuará pelo poderia ser... 
Nunca me pedira um conselho, mas sabia que o procurava. Nunca me pedira um conforto, mas sabia que o procurava. Nunca me pedira um abraço mas foi isso que fiz. E lembrei-a do "eu" que não raras vezes esquecemos quando embebidos num "nós". Eu sei da sua força. Ouvi dizer. Guardo para mim que, no fundo, a desconheço verdadeiramente. E isso conforta-me. 
Foi então que das entrelinhas dessa conversa desabaram umas quantas inseguranças, ressoadas de medos que, afinal, tardam em evaporar. E se um dia eu me der assim? E tu me deixares, também, assim? Intermitente, sonâmbulo cá dentro.  O muro maravilhoso que lhe prendera o ser, é aquele que observo agora. E quem me deixou não és tu. Quem eu deixei não tem o teu nome. Não chegam, não chegaram. Não quero pisar o mesmo chão, sentir as mesmas saliências, deitar-me na mesma cama vazia.
Foi então que ela me despertou, firmemente afirmando que "ninguém vale o suficiente para nos fazer sofrer..." Quem serás tu, então?

3 comentários:

Luciana Lís disse...

'Mas quanto mais repousamos a esperança de um sorriso no amanhã, mais esse hoje se perpetuará pelo poderia ser...'
Bonita reflexão, me fez pensar sobre o amor não oferecer garantia alguma, e tropeçar e tropeçar em enganos. Mas que seria a vida, se não isso? A gente cresce!

Beijão

João Roque disse...

Tanta coisa a "mexer" cá dentro ao ler este texto.
Belo, como tu sabes escrever...

mfc disse...

Só podemos viver com verdade!
É aliás a única forma.