Aro



Onde o Sol descobre o vazio, não aquece o meu coração. E agora que se esconde no horizonte, mais se esvazia desse dom. Mas a ternura dos seus toques, que subtil mas majestosamente vão entrando pelo quarto, é irresistível. Abro aos seus olhares cegos as portas da minha intimidade. Daquele pequeno vale, que ainda há pouco acolhera os meus fracos sonhos, faço um grande palco onde pisam fantasias banais e pensamentos sem nexo. Gestos suaves perfumados de sexo. Do refinado ao vulgar medeiam fracções de segundo, intervalos que vamos testando, uma libertação que vou aprovando. E vamos selando sorrisos e aprovando investidas despidas. É um ócio vazio que se liberta e exalta. Não me reconheço e sinto vergonha, mas confio nas minhas mentiras: quem tanto me olha, pouco me vê. Quem tanto me mexe tão pouco me tocará.
O meu olhar sobrepõe-se ao ombro viril: a venda vermelha caída, o branco do chão. Agora já o era muito mais do que o poderia ter sido outrora. Há portas que se abrem para jamais se fecharem. Mas essas fachadas tampouco me prendiam: a mente descera aos lábios e estes subiram ao pescoço, diminuindo distâncias com uma força feroz. As mãos decoravam lugares incertos, lugares descobertos, lugares desejados. As respirações perdem os seus pulsos no dançar das gotas desse teu impulso num corpo que queria só meu. O agarrar firme, o arranhar suspirante. Ressoavam barulhos surdos, mordendo e remordendo quereres, inspirações de prazeres. E envoltos pela negritude daquelas paredes, gritamos ao bater intenso, fomos actores de um momento denso. Fomos um.

...


Raiava de novo a manhã. Descobria-nos descobertos, abraçados em afetos. Quando me tento rever, espelha-se um novo eu. Entre algumas marcas, uma arde a minha razão: essa em que me reabraças e me relembras, na tua mão nua, esse acessório tão vestido de dizeres. Minutos depois, calo a porta que rangera e dela me dispeço com um adeus simples de um sorriso singelo...

2 comentários:

João Roque disse...

Excelente regresso à blogosfera com um texto muito belo.

MaR disse...

Uauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
Nem tenho mais nada a dizer...OU melhor, até tenho: adorei :)

Obrigada pela dedicatória ali em cima, és demais :)

Beijo