Idas sem volta...


Já conto por anos esta distância entre o eu de hoje e essas palavras passadas. Foram subtis e breves o bastante para se tornarem intemporais, como tantas vezes aos longos textos não acontece maugrado os seus auguros...
O sol nascera há poucas horas. As nuvens e o vento iam pintado a paisagem de características da época. Entrava naquela sala com a disposição sorridente de tantos outros dias. Ainda desconhecia, no entanto, a inocência que me vendava. Sim, essa inocência constante de quem atira os objectivos, os sonhos, enfim: a vida, para um futuro confuso, do qual acreditamos na vinda mas desconhecemos puramente o quando. De quem descarta que é no presente que essa vida acontece...
A aula corria normalmente. A esta altura, já muitos aproveitavam o tempo para o desperdiçar em desenhos e cochichos. Não se esgote isto num moralismo hipócrita, que sirva ao invés para sublinhar a riqueza perdida da frase que mais tarde se mencionara. Nunca tinha sido questionado sobre a dor. Já a sentira, como qualquer um, mas nunca me lembrara de a olhar para além da sua presença. Subitamente, algumas pareceres, vários em jeito de confissão, iam-me surpreendendo e levantando a poeira sobre livros escuros dessa grande biblioteca que é a memória. Mas continha-me facilmente: poderia parecer demasiado dramático e pretensioso se formulasse cada imagem. Nesta luta não deveriam haver vencedores...
No entanto, a certa altura, a figura altiva e vivaz de quem tanto nos ensinava, esvaziara as suas feições de alegria e acabara por me surpreender com um comentário que vinha um pouco de encontro aquilo que eu ia sentindo:
"-
Acreditem que não há dor maior do que a de uma mãe que perde um filho e nem uma chance tem de lhe dizer um último adeus..."
As palavras silenciaram os meus pensamentos por instantes longos. O meu coração batera mais rápido, mais profundamente. A imagem daquela que tanto amava surgira no meu pensamento. O que seria de mim sem ela? O que será de mim, um dia, sem ela? Sem o seu abraço redentor e o seu beijo de calma, num mundo em que tantos vão falhando nos seus O medo é uma força enorme, mas o vazio conseguirá faze-lo cair em esquecimento...
Durante anos estas perguntas foram ecoando mas, embora a concordância com aquela dor se mantivesse intacta, a partilha dessas perguntas e a maturidade fizeram-nas perder força. Quanto mais nos conhecemos, a nós e a este caminho, mais nos vamos habituando há ideia de viver sozinhos. Ainda assim, hoje contactei com outra realidade e fui-me apercebendo da diferença das minhas questões relativamente as palavras proferidas naquela sala. O meu medo não era partir mas que partissem. O meu vazio fazer-se-ia da ida de outrem e não da minha. E essa realidade, a de quem é abandonado, é também muito fria.Talvez igualmente dolorosa.
Como são poderosas essas idas sem volta. Como é irónico que o abandono seja só um, mas as vidas que marca sejam tantas...



p.s.: Obrigado Mãe... =)

2 comentários:

João Roque disse...

Não há nada no mundo comparável à nossa Mãe... apesar da vida nos obrigar, e bem, a vivermos o nosso destino.
Abraço.

najla disse...

Não sei se compreendi bem o texto, mas devo dizer-te que é um dos teus melhores textos. Sem dúvida.

Um beijo